quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O gênero discursivo publicitário

Um ponto de destaque nos textos publicitários é certamente seu hibridismo inerente na relação entre o escrito, o oral e o visual (Magalhães, 2005b). Meu interesse nesse gênero é examinar a construção semiótica das identidades de gênero como um fluxo dinâmico de representações sociais mediadas por aspectos textuais: o vocabulário, a coesão, a gramática (modalidade), a intertextualidade, a interdiscursividade e outros pertencentes à representação imagética que são discutidos por G. Kress e T. Van Leeuwen (1996, 2001).
O gênero discursivo publicitário é desenvolvido, reproduzido e transformado nas práticas sociais da mídia. J Thompson (trad. 1998) teoriza acerca do papel da mídia em todos os aspectos da vida social e cultural da modernidade. Dessa forma, é preciso conhecer os instrumentos de trabalho e os objetivos da mídia, para a compreensão adequada da enorme influência da publicidade nos contextos institucionais e organizacionais da vida social contemporânea e principalmente na formação das identidades de gênero. (Magalhães, 2000a, 2000b, 2005b, 2005c) Como sugere Thompson (1998: 19-21), “(...) o desenvolvimento da mídia transformou a natureza da produção e do intercâmbio simbólicos no mundo moderno.”                
Thompson defende uma abordagem da mídia que “privilegia a comunicação como parte integral (...) de contextos mais amplos da vida social”, que é “feita por indivíduos que perseguem fins e objetivos os mais variados. Assim fazendo, eles sempre agem dentro de um conjunto de circunstâncias previamente dadas que proporcionam a diferentes indivíduos diferentes inclinações e oportunidades”. Thompson denomina como esses conjuntos de circunstâncias “campos de interação”, que são subdividos nas seguintes categorias: interação face a face, interação mediada e quase-interação mediada. Para esse autor, as revistas estão situadas no processo social de interação quase-mediada, na medida em que as mensagens atingem ambientes e espaços ilimitados, com receptores em números também indefinidos.
Segundo W. Key (trad. 1996), é por meio da doutrinação, do controle cultural e das construções ideológicas da percepção que o texto publicitário alcança seu objetivo, seduzindo os consumidores em potencial. Para Key, a percepção que se tem da “realidade objetiva” é produto de um “condicionamento sócio-político-econômico”. “As pessoas mais vulneráveis à doutrinação são as que vivem em sociedades tecnológicas manipuladas pela mídia.” (p.108) Key sugere que os leitores a quem se destinam os textos publicitários perdem a capacidade de distinção entre a realidade objetiva e as fantasias perceptivas da realidade. Dessa forma, os produtores dos textos publicitários moldam as identidades dos leitores mediante as percepções da realidade que são comuns entre ambos; apenas o que valoriza a auto-identidade do leitor e da leitora é considerado.
Conseqüentemente, os textos publicitários, em busca de consumidores em potencial, direcionam os valores e a própria imagem do “eu” e do “outro”, provocando alterações nas relações entre as identidades de gênero (Magalhães, 2005b). As vozes femininas e as vozes masculinas Análise do discurso publicitário são mediadas por aspectos semióticos, por vocabulário, por coesão, gramática, intertextualidade e interdiscursividade.
            Nos textos publicitários, fotos e desenhos representam as mulheres e os homens de uma determinada forma, construindo estilos de ser mediante a escolha de roupas, calçados e acessórios, e também a postura do corpo. Kress e Van Leeuwen (1996: 55) sugerem que, em gêneros visuais como a publicidade, há uma interrelação entre “participantes visuais e verbais”. Os participantes verbais são manchetes ou textos escritos, mas são os aspectos semióticos que garantem a coerência semântico-pragmática. Esses aspectos incluem: fotos, formas abstratas, frases, orações, palavras e letras. “A chave para compreender esses textos, portanto, está antes de tudo na compreensão dos meios semióticos visuais que são usados para reunir esses elementos heterogêneos em um todo coerente, em um texto.” (Idem)
Cabe destacar a relação entre as práticas semióticas e as práticas sociais. G. Kress e T. Van Leeuwen (2001: 124) notam como, no início do século XVII, a Contra-Reforma na Europa obteve o retorno dos fiéis que tinham aderido ao protestantismo com a exuberância das
igrejas barrocas, em contraste com a austeridade das igrejas protestantes. A diferença entre as duas crenças foi comunicada pelos modos de representação.
Além dos aspectos semióticos, é de interesse na análise da publicidade examinar as escolhas lexicais, as lexicalizações selecionadas na produção textual, e se há atribuições de novos significados, as palavras já existentes (relexicalizações) ou criação de palavras (Mey, 1985: 166-Izabel Magalhães 168; Halliday, 1978: 164-182; Fairclough, trad. 2001: 236). Criar novas palavras significa construir novos significados e codificar novos itens lexicais. Fairclough apresenta o exemplo da cirurgia cosmética, com seu vocabulário inovador (“melhoria de rugas”, “afinamento do nariz”, “remoção de olheiras”, “correção de orelhas de abano” etc.). É em parte o vocabulário técnico que confere à cirurgia cosmética “o status prestigiado de uma terapia com base científica”, contribuindo com “novas categorias culturalmente importantes”. (Fairclough, 2001: 237)
Nos textos publicitários, a ligação entre as orações e os períodos visa à produção de um modo retórico específico, de modo que desperte nos leitores o desejo de compra do produto que está sendo anunciado. Os marcadores coesivos que se destacam nesses textos são: referência, elipse, conjunção e léxico. A modalidade se relaciona à função interpessoal da linguagem (ver seção 2.1). Considerando a proposta de Fairclough (2003), a análise da modalidade tem como propósito definir os graus de afinidade relacionados à representação discursiva das relações (sentido relacional) e das identidades sociais (sentido identificacional) e ao controle das formas de construção da realidade (doutrinação) nos textos publicitários. A análise dos marcadores de modalidade – como verbos modais (poder, dever), tempos verbais, advérbios, adjetivos, cores e layout – é um poderoso mecanismo de leitura crítica (Janks e Ivanic, 1992).
A intertextualidade é um termo genérico que inclui a interdiscursividade quando a análise aponta a inter-relação entre tipos de discurso (como, por exemplo, discurso publicitário ou discurso religioso) e entre gêneros discursivos (ver seção 2.2). Para Fairclough (trad. 2001: 285), a intertextualidade é uma “área cinzenta entre a prática discursiva e o texto”. A análise da intertextualidade visa à compreensão da afiliação histórica das vozes que representam os diferentes grupos e as identidades sociais nos textos publicitários (Magalhães, 2005b: 190).


Fonte: http://www.abralin.org/revista/RV4N1_2/RV4N1_2_art8.pdf

Postado por: Luciana Marques 

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