quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Maingueneau e a Análise de Discurso

       Vamos agora acompanhar uma entrevista dada por Dominique Maingueneau, professor da Universidade de Paris XII que pesquisa fenômenos da enuciação lingüística e sobretudo, a análise de discurso,  para a Revista Virtual de Estudo de Linguaguem, sobre o Estudo do Texto e Discurso.



REVEL - Quando poderíamos dizer que a Análise do Discurso (AD) se concretizou como uma subárea da ciência lingüística? Quais foram os textos e autores fundadores da AD?  
Maingueneau - Não se pode responder a esta pergunta sem adotar implicitamente uma determinada concepção de Análise do Discurso. Não me parece evidente, de fato, que a AD seja uma “subárea” da Lingüística. Há de fato ciências sociais de pesquisa que se valem da AD, mas que não se apóiam na Lingüística; elas se inspiram, por exemplo, em Michel Foucault. No que concerne à AD de inspiração lingüística, podemos sustentar a idéia de que ela é menos uma “subárea da ciência lingüística” do que uma zona de contato entre a Lingüística e as ciências humanas e sociais. É uma maneira de ver o problema que me parece mais realista; mas, evidentemente, a AD deve manter uma ancoragem forte na Lingüística, ela faz parte das ciências da linguagem, noção mais abrangente que aquela de “Lingüística”.

Quanto à questão de saber se existem textos e autores fundadores da AD, na verdade, é apenas uma questão de saber quando apareceu a AD. Aqueles que, por exemplo, fizeram de Michel Pêcheux o fundador da AD têm uma certa concepção da AD. Aqueles que, como eu, pensam que houve diversos atos de fundação da AD têm uma outra concepção. A meu ver, as correntes como a etnografia da comunicação, as correntes pragmáticas, a lingüística textual ou as problemáticas de Foucault participaram sem saber do desenvolvimento desse agrupamento de pesquisas que se encontram hoje em dia sob o rótulo de Análise do Discurso.
De minha parte, eu distinguirei três maneiras de praticar a AD, dessas, somente a última é a que me interessa. A primeira consiste em utilizar a AD para perguntar de maneira indireta questões filosóficas; nesse caso, a dimensão da análise empírica de discurso é secundária. A segunda consiste em ver na AD um conjunto de “métodos qualitativos” à disposição das ciências humanas e sociais; a AD não passa então de uma espécie de caixa de ferramentas que permite construir interpretações em outras disciplinas. A terceira maneira consiste em ver na AD um espaço de pleno direito dentro das ciências humanas e sociais, um conjunto de abordagens que pretende elaborar os conceitos e os métodos fundados sobre as propriedades empíricas das atividades discursivas. Isso não quer dizer que a AD se reduz a uma disciplina empírica, mas ela deve se organizar tendo as pesquisas empíricas em vista.


REVEL - A Análise do Discurso se desenvolveu no Brasil com forte dependência do conceito de “Formação Discursiva”. Ainda é possível fazer da Formação Discursiva o conceito-chave da Análise do Discurso?
Maingueneau Eu já falei sobre este assunto diversas vezes. Eu acredito que essa noção rendeu bons serviços no começo da AD. Mas ela é muito imprecisa, como mostra o fato de que ela foi empregada tanto por Michel Pêcheux como por Michel Foucault, e com sentidos bastante diferentes. Nem mesmo se tem certeza de que ela tenha tido um significado claro nesses dois autores. Hoje, para trabalhar em AD, me parece que se tem interesse em trabalhar com noções mais precisas. Eu propus restringir o emprego dessa noção a certas “unidades”; assim, quando falamos de “discurso patronal”, “discurso racista”, “discurso da publicidade para as mulheres”, etc., o termo formação discursiva seria útil. De fato, trata-se de corpus que transpassam os gêneros ou os tipos de discurso, e que o pesquisador pode constituir bastante livremente em função de suas hipóteses de pesquisa. Em contrapartida, eu não acredito esteja bem claro utilizar a noção de formação discursiva para designar um gênero de discurso ou para um posicionamento em um campo discursivo (um movimento literário, um partido político, etc.). Mas ao fim das contas, é um problema de terminologia: cada um pode empregar “formação discursiva” como bem entende, com a condição de que haja uma proposta bem clara de definição. O que nem sempre é o caso.


REVEL - Como a Análise do Discurso estuda, hoje, discursos distantes do contexto político ideológico (patologias da linguagem, diferentes estruturações psíquicas,  textos literários, etc.)?
Maingueneau - Esta é uma questão gigantesca. Já faz um bom tempo que a AD estuda os discursos bem distantes do espaço político. De fato, desde o início, mesmo na França, muita gente não trabalha com o discurso político. Eu não creio que Michel Foucault, por exemplo, se interessou por esse tipo de corpus. Além disso, não podemos confundir a análise do discurso político e a análise política do discurso, que pode levar em conta textos que não revelam o discurso político; este último é, aliás, praticado no mundo inteiro hoje em dia, particularmente com as correntes da “critical discourse analysis”.

O problema é que o empreendimento mais visível da AD na França foi aquele conduzido em torno de Michel Pêcheux e a revista Langages ; à época, essa atitude inspirou ao mesmo tempo Althusser e Lacan, que estava animado por um projeto marxista de transformação da sociedade que tinha um sentido profundamente político. Nós podíamos então ter a impressão de que a AD estava estreitamente ligada ao estudo do discurso político. Mais uma vez, nós retornamos à questão da origem da AD. Se nós pensarmos que este empreendimento de M. Pêcheux fundou a AD, a questão do discurso político é essencial. Se, ao contrário, nós considerarmos que este empreendimento não foi mais do que um foco de desenvolvimento da AD, então não há por que se perguntar por que e como se trabalha com outros corpus que não sejam os corpus políticos.

Há um segundo aspecto na sua questão que merece comentário: vocês mencionam os trabalhos sobre a literatura, a cognição, as patologias da linguagem. Efetivamente, esses domínios, e vários outros, são hoje o objeto de numerosos trabalhos que reclamam uma problemática do discurso. Mas todo o problema é saber se uma problemática do discurso substitui necessariamente a AD. De minha parte, eu faço habitualmente uma distinção entre os estudos sobre o discurso (“discourse studies” dos anglo-saxões) e as diversas disciplinas do discurso. A AD é uma dessas disciplinas, que tem um ponto de vista específico sobre o discurso. Nessa perspectiva, o mesmo tipo de corpus pode ser estudado através de diversas disciplinas.



REVEL - O senhor poderia indicar algumas obras sobre Análise do Discurso, para que nosso leitor pudesse se aprofundar no assunto?
Maingueneau - Sua pergunta é embaraçosa, porque não é um segredo para ninguém que a AD é um espaço extremamente diversificado. Alguns se contentam com uma definição minimalista: não hesitam em chamar “análise do discurso” não importa qual o estudo que esteja relacionado com as unidades transfrásicas consideradas em seu contexto social. Nessas condições, é difícil ver qual a obra poderia oferecer uma síntese do que seria “a” AD. Existe, em cada corrente, autores importantes cujo pensamento é necessário conhecer, mesmo se não pertencemos à mesma corrente que eles.

O único conselho que posso dar é bem modesto: utilizar o “Dictionnaire d'analyse du discours”, traduzido recentemente em português [“Dicionário de Análise do Discurso”. São Paulo: Contexto, 2004], que eu co-dirigi com P. Charaudeau e que mobilizou cerca de vinte colaboradores. É de fato um instrumento de trabalho que não reflete uma doutrina, mas se esforça por dar uma idéia da diversidade das pesquisas feitas em AD.












Fonte: http://www.ouviroevento.pro.br/analisedodiscurso/entrevistamaingueneau.htm




Postado por: Luciana Marques

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